segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O Relógio




O colégio onde eu estudava quando menino, costumava encerrar o ano letivo com um espetáculo teatral.
Eu adorava aquilo, porém nunca fui convidado para participar, o que me trazia uma secreta mágoa.
Quando fiz onze anos avisaram-me que, finalmente iria ter um papel para representar.
Fiquei feliz, mas esse estado de espírito durou pouco.
Escolheram um colega meu para o desempenho principal.
A mim coube uma ponta de pouca importância.
Minha decepção foi imensa.
Voltei para casa triste.
Mamãe quis saber o que se passava e ouviu toda a minha história entre lágrimas e soluços.
Sem nada dizer ela foi buscar o bonito relógio de bolso de papai e colocou-o em minhas mãos, dizendo :

- Que é isso que você está vendo ?

- Um relógio de ouro com mostrador e ponteiros.

Em seguida mamãe abriu a parte traseira do relógio e repetiu a pergunta :

- O que você está vendo ?
- Ora mamãe, aí dentro parece haver centenas de rodinhas e parafusos.
Mamãe me surpreendia, pois aquilo nada tinha a ver com o motivo do meu aborrecimento.
Entretanto, calmamente ela prosseguiu :

- Este relógio tão necessário ao seu pai e tão bonito seria absolutamente inútil se nele faltasse qualquer parte, mesmo a mais insignificante das rodinhas ou o menor dos parafusos.
Nós nos entre fitamos e no seu olhar calmo e amoroso, eu compreendi que sem que ela precisasse dizer mais nada.
Essa pequena lição tem me ajudado muito a ser mais feliz na vida, aprendi com a máquina daquele relógio quão essenciais são mesmo os deveres mais ingratos e difíceis, que nos cabem a todos.
Não importa que sejamos o mais ínfimo parafuso ou a mais ignorada rodinha, desde que o trabalho, em conjunto, seja para o bem de todos.
E percebi também que se o esforço tiver êxito o que menos importa são os aplausos exteriores.
O que vale mesmo é a paz de espírito do dever cumprido.

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