domingo, 27 de março de 2011

Uma Bela Homenagem ao meu Avô, Antônio de Castro



Nos anos 40, em Caicó, um tenente da Polícia saiu à frente de uma tropa à procura de um assassino perigoso. O bandido, que tinha muitas mortes nas costas, foi localizado entre uns lajedos e começou a atirar. Depois de intenso tiroteio, o matador se rendeu: tinha um ferimento no braço e sangrava muito. Os soldados tomaram a arma dele, improvisaram uma atadura e iniciaram a caminhada de volta para a cidade. A certa altura, sob um sol de rachar moleiras, o bandido começou a se queixar de sede. O tenente sabia que os feridos a bala sentem uma sede imensa, quase mortal. No meio do caminho, ao avistar um casebre, o tenente resolveu pedir água para o prisioneiro e ordenou que ele o acompanhasse. De repente, o grito de um soldado: "Cuidado, tenente!" O oficial se virou e viu que o criminoso havia retirado uma peixeira escondida em algum lugar do seu corpo. Não houve tempo para nada. O bandido levantou com as duas mãos a faca de doze polegadas e cravou-a no próprio peito. Ninguém o teria impedido de assassinar o militar.
O tenente voltou para Natal, fez carreira na PM e foi reformado como Coronel. Ele costumava contar essa e outras histórias a seus filhos, que eram oito, na pequena casa da rua Professor Zuza. Como um oficial da Polícia, que cultivava a honestidade e a honradez, podia sustentar uma família tão numerosa? Não era fácil, mas era possível. Criativo, incansável, ele abriu uma fábrica de sabão no quintal dessa casa e à noite e nas folgas do quartel, com o auxílio de dois ajudantes, fabricava um sabão de boa qualidade e preço baixo, preferido por todas as lavadeiras dos arredores. O coronel Antônio de Castro era também um leitor assíduo e atento - um caso raro entre os seus colegas de farda. Trazia para a mesa os seus autores preferidos e citava trechos e mais trechos de memória. Encabulava a recatada esposa quando recitava os versos fesceninos de Bocage, um dos poetas que ele mais admirava.
Foi o coronel Antônio de Castro quem me apresentou a um romance de Jorge Amado e me induziu, irremediavelmente, ao vício da leitura. Tenho uma lembrança muito nítida dele, sentado numa cadeira de balanço, lendo um livro volumoso de capa verde. Fiz perguntas e ele me disse que aquela não era ainda leitura para mim e que fizesse o favor de não ler o livro às escondidas. Um dia, não resisti, dei uma olhada e descobri que o livro, em muitos volumes, tinha o título de Memórias de Casanova. Mesmo dominado pela curiosidade, não tive coragem de me aprofundar na leitura. O coronel não admitia insubordinação.
Muitos anos depois, num sebo do Rio de Janeiro, eis que me deparo com os dez volumes das memórias, cheias de conquistas amorosas, erotismo e aventuras, de Giacomo Casanova de Seingalt. Comprei na hora esses livros que me emocionam até hoje, porque me fazem lembrar, com muita clareza, um homem corajoso, cordial, íntegro, inteligente e muito amoroso com sua mulher, dona Alice, e com seus filhos. Modéstia à parte, Antônio de Castro era o meu pai.

(crônica de Nei Leandro de Castro publicada na Tribuna do Norte)

Um comentário:

  1. Primo, essa eu já conhecia por conta do livro que você me deu de presente. É muito linda.

    Beijos, querido.

    Márcia.

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