sexta-feira, 18 de junho de 2010

O amor não acaba




O amor não acaba, não se pode amar duas pessoas ao mesmo tempo, quem ama
quer filhos..
Existem pessoas felizes e pessoas infelizes, e todas elas se questionam. Umas bebem champanha e outras água da torneira, e se fazem as mesmas indagações. Se existe uma coisa que nos unifica são as dúvidas que trazemos dentro. São pequenas angústias que se manifestam silenciosamente, angústias que não gritam, ou gritam somatizadas em úlceras, insônias e depressões. Angústias diante das mentiras consensuais.
O que são mentiras consensuais? São aquelas que todo mundo topou passar adiante como se fosse verdade. Aquelas que ouvimos de nossos pais, eles de nossos avós, e que automaticamente passamos para nossos filhos, colaborando assim para o bom andamento do mundo, para uma sanidade comum. O amor, o sentimento mais nobre e vulcânico que há, tornou-se a maior vítima deste consenso.
Mentiras consensuais: o amor não acaba, não se pode amar duas pessoas ao mesmo tempo, quem ama quer filhos, quem ama não sente desejo por outro, amor de uma noite só não é amor, o amor requer vida partilhada, amor entre pessoas do mesmo sexo é antinatural.
Tudo mentira. O amor, como todo sentimento, é livre. É arredio a frases feitas, debocha das regras que tentam lhe impor. Esta meia dúzia de coordenadas instituídas como verdades fazem com que muitas pessoas achem que estejam amando errado, quando estão simplesmente amando. Amando pessoas mais jovens ou mais velhas ou do mesmo sexo ou amando pouco ou amando com exagero, amando um homem casado ou uma mulher bandida ou platonicamente, amando e ganhando, todos eles, a alcunha de insanos, como se pudéssemos controlar o sentimento. O amor é dono dele mesmo, somos apenas seu hospedeiro.
Há outros consensos geradores de angústia: o mito da maternidade, a necessidade de um Deus, a juventude eterna. Sobem e descem de ônibus milhares de passageiros que parecem iguais entre si, porém há entre eles os que não gostam de crianças, os que nunca rezaram, os que estão muito satisfeitos com suas rugas e gorduras, os que não gostam de festas e viagens, os que odeiam futebol, os que viverão até os cem anos fumando, os que conversam telepaticamente com extraterrestres, os ermitões, enfim, os desajustados de um mundo que só oferece um molde.
Todos nós, que estamos quites com as verdades concordadas, guardamos, lá no fundo, algo que nos perturba, que nos convida para o exílio, que revela nossa porção despatriada. É a parte de nós que aceita a existência das mentiras consensuais, entende que é melhor viver de acordo com o estabelecido, mas que, no íntimo, não consegue dizer amém.

martham@terra.com.br

O dia do Irracional


Comemora-se nesta semana o dia daqueles que caminham a meio palmo do chão. Dia dos que acreditam que as estrelas cadentes realizam sonhos, dia dos que discutem por bobagem só pelo prazer da reconciliação, dia daqueles que dominam o tempo com precisão matemática: estamos juntos há cinco meses, duas semanas, dois dias, 13 horas, 24 minutos e 17 segundos...18...19... 20...


Dia daqueles que pensam e falam com as mãos, com a língua, com o nariz, com o corpo inteiro. Que utilizam todas as potencialidades do seu corpo, que empregam o coração como tradutor-intérprete e se armam até os dentes em defesa do seu sentimento. Dia de quem não saberia definir a palavra cérebro. Cérebro é uma fruta que dá muito no Piauí. Cérebro é o nome de um dos irmãos de Caim. Sei lá o que é cérebro, pô.
Dia de quem procura no dicionário alguma palavra que seja mais significativa que amor, dia de quem não se importa de ficar sem luz desde que não fique sem telefone, dia de quem caminha pela calçada ajustando o passo, feito soldados, só que agarradinhos.
Dia de quem não come alho porque o Julio repara, de quem não usa verde-água porque a Soninha acha brega, não corta o cabelo porque o Flávio me mata, não espalita os dentes porque a Carla fica uma arara.
Dia de quem, tomando café-da-manhã, acha que não vai agüentar esperar até às 8 da noite, hora de ir pro cinema. Dia de quem, estando numa quinta-feira, acha que falta um século para o sábado chegar. Dia de quem, estando em junho, acha que setembro levará três eternidades pra despontar no horizonte, quando então seu amor voltará da viagem de intercâmbio.
Dia de quem despreza todas as palavras que foram inventadas, a não ser três: eu te amo. Dia de quem se acha mais bonita do que a Carolina Ferraz, mais rico do que Abílio Diniz, mais campeão do que o Guga. Dia de quem é vegetariano mas encara um fondue de carne, dia de quem não é sociável mas engrena um bate-papo animado com a sogra, dia de quem jurou que jamais iria acampar, e lá vão eles dormir sob as estrelas.
Martha Medeiros