quinta-feira, 16 de junho de 2011

Aprendendo a Desaprender


Aprendendo a Desaprender

Passamos a vida inteira ouvindo os sábios conselhos dos outros. Tens que aprender a ser mais flexível, tens que aprender a ser menos dramática, tens que aprender a ser mais discreta, tens que aprender… praticamente tudo. Mesmo as coisas que a gente já sabe fazer, é preciso aprender a fazê-las melhor, mais rápido, mais vezes. Vida é constante aprendizado. A gente lê, a gente conversa, a gente faz terapia, a gente se puxa pra tirar nota dez no quesito “sabe-tudo”. Pois é. E o que a gente faz com aquilo que a gente pensava que sabia? As crianças têm facilidade para aprender porque estão com a cabeça virgem de informações, há muito espaço para ser preenchido, muitos dados a serem assimilados sem a necessidade de cruzá-los: tudo é bem-vindo na infância. Mas nós já temos arquivos demais no nosso winchester cerebral. Para aprender coisas novas, é preciso antes deletar arquivos antigos. E isso não se faz com o simples apertar de uma tecla. Antes de aprender, é preciso dominar a arte de desaprender. Desaprender a ser tão sensível, para conseguir vencer mais facilmente as barreiras que encontramos no caminho. Desaprender a ser tão exigente consigo mesmo, para poder se divertir com os próprios erros. Desaprender a ser tão coerente, pois a vida é incoerente por natureza e a gente precisa saber lidar com o inusitado. Desaprender a esperar que os outros leiam nosso pensamento: em vez de acreditar em telepatia, é melhor acreditar no poder da nossa voz. Desaprender a autocomiseração: enquanto perdemos tempo tendo pena da gente mesmo, os demais seguiram em frente. A solução é voltar ao marco zero. Desaprender para aprender. Deletar para escrever em cima. Houve um tempo em que eu pensava que, para isso, seria preciso nascer de novo, mas hoje sei que dá pra renascer várias vezes nesta mesma vida. Basta desaprender o receio de mudar.

Martha Medeiros.

A força das palavras



"Viemos ao mundo para dar nomes às coisas:
dessa forma nos tornamos senhores delas
ou servos de quem as batizar antes de nós"

Palavras assustam mais do que fatos: às vezes é assim.

Descobri isso quando as pessoas discutiam e lançavam palavras como dardos sobre a mesa de jantar. Nessa época, meus olhos mal alcançavam o tampo da mesa e o mundo dos adultos me parecia fascinante. O meu era demais limitado por horários que tinham de ser obedecidos (por que criança tinha de dormir tão cedo?), regras chatas (por que não correr descalça na chuva, por que não botar os pés em cima do sofá, por quê, por quê, por quê...?), e a escola era um fardo (seria tão mais divertido ficar lendo debaixo das árvores no jardim de casa...).

Mas, em compensação, na escola também se brincava com palavras: lá, como em casa, havia livros, e neles as palavras eram caramelos saborosos ou pedrinhas coloridas que a gente colecionava, olhava contra a luz, revirava no céu da boca... E às vezes cuspia na cara de alguém de propósito, para machucar.

Depois houve um tempo (hoje não mais?) em que palavras eram cortadas por reticências na tela do cinema, enquanto sobre elas se representavam cenas que, como se dizia no tempo dos pudores, fariam corar um frade de pedra.

Palavras ofendem mais do que a realidade – sempre achei isso muito divertido. Palavras servem para criar mal-entendidos que magoam durante anos:

Ilustração Ale Setti



–.Você aquela vez disse que eu...

–.De jeito nenhum, eu jamais imaginei, nem de longe, dizer uma coisa dessas....

–.Mas você disse...

–.Nunca! Tenho certeza absoluta!

Vivemos nesses enganos, nesses desencontros, nesse desperdício de felicidade e afeto. No sofrimento desnecessário, quando silenciamos em lugar de esclarecer. "Agora não quero falar nisso", dizemos. Mas a gente devia falar exatamente disso que nos assusta e nos afasta do outro. O silêncio, quando devíamos falar, ou a palavra errada, quando devíamos ter ficado quietos: instauram-se, assim, o drama da convivência e a dificuldade do amor.

Sou dos que optam pela palavra sempre que é possível. Olho no olho, às vezes mão na mão ou mão no ombro: vem cá, vamos conversar? Nem sempre é possível. Mas, em geral, é melhor do que o silêncio crispado e as palavras varridas para baixo do tapete.

Não falo do silêncio bom em que se compartilham ternura e entendimento. Falo do mal de um silêncio ressentido em que se acumulam incompreensão e amargura – o vazio cresce e a mágoa distancia na mesma sala, na mesma cama, na mesma vida. Em parte porque nada foi dito, quando tudo precisaria ser falado, talvez até para que a gente pudesse se afastar com amizade e respeito quando ainda era tempo.

Falar é também a essência da terapia: pronunciando o nome das coisas que nos feriram, ou das que nos assustam mais, de alguma forma adquirimos sobre elas um mínimo controle. O fantasma passa a ter nome e rosto, e começamos a lidar com ele. Há estudos interessantíssimos sobre os nomes atribuídos ao diabo, a enfermidades consideradas incuráveis ou altamente contagiosas: muitas vezes, em lugar das palavras exatas, usamos eufemismos para que o mal a que elas se referem não nos atinja.

A palavra faz parte da nossa essência: com ela, nos acercamos do outro, nos entregamos ou nos negamos, apaziguamos, ferimos e matamos. Com a palavra, seduzimos num texto; com a palavra, liquidamos – negócios, amores. Uma palavra confere o nome ao filho que nasce e ao navio que transportará vidas ou armas.

"Vá", "Venha", Fique", "Eu vou", "Eu não sei", "Eu quero, mas não posso", "Eu não sou capaz", "Sim, eu mereço" – dessa forma, marcamos as nossas escolhas, a derrota diante do nosso medo ou a vitória sobre o nosso susto. Viemos ao mundo para dar nomes às coisas: dessa forma nos tornamos senhores delas ou servos de quem as batizar antes de nós.


Lya Luft é escritora