sexta-feira, 28 de março de 2014
Anotações de viagem
Nei Leandro de Castro
escritor
Florença é uma das minhas cidades amadas. Estive por lá pela primeira vez em 1986 e desde então já a revisitei umas dez vezes. Tive sorte de conhecer Riccardo Zucconi, dono do Hotel Aprile. Ricardo fala português (foi casado com uma brasileira) e costuma dar preciosas dicas a seus clientes. Foi Riccardo quem em apresentou à obra de Masaccio, um gênio que morreu aos 26 anos. Na Capela do Espírito Santo, no outro lado do Arno, pode-se admirar o afresco “Adão e Eva expulsos do Paraíso”, uma obra-prima. O Hotel Aprile fica ao lado da Igreja Santa Maria Novella, onde no século 13 Dante estudou Teologia.
É emocionante caminhar pelas ruas por onde andaram Dante, Michelângelo, Maquiavel. É também emocionante cruzar a Ponte Santa Trinità, onde Dante viu Beatriz Portinari pela primeira vez e se apaixonou pelo resto de sua vida. A casa de Dante foi transformada em museu. Nas primeiras idas a Florença, dependendo da emoção, pode-se sentir náuseas, tonturas, dor de cabeça. Foi o que sentiu Stendhal e o fenômeno ficou conhecido como “síndrome de Stendhal”.
Tenho muita vontade de alugar um carro em Florença e viajar por toda a Toscana, onde há belas pousadas dentro de um verde esplendoroso.
Quero ir a Montalcino, terra do Brunello de Montalcino, um excelente vinho. Vamos nessa, chef Gerard Baptiste?
Outra cidade amada é Lisboa. Adoro caminhar por suas ruas, principalmente pela Avenida da Liberdade, que Salazar nunca inaugurou. Foi lá onde fiz grandes amigos: Ernesto Manoel de Melo e Castro, Antônio Aragão, Ana Hatherley. Os encontros com Melo e Castro, regados a vinho, eram muito freqüentes. Certo dia, ele me levou a Évora, para uma reunião do Partido Comunista Português. Se a PIDE tivesse descoberto esse encontro, com certeza eu não estaria hoje escrevendo este texto.
A PIDE infiltrada agentes em toda a universidade. Um certo Freitas, poeta, intelectual de renome, era um desses agentes. Certa vez, ao saber que ia viajar a Paris, ele me pediu que eu lhe trouxesse um rifle, para ele matar o Cardeal Cerejeira e acabar de vez com o salazarismo. Em Paris, um dos franceses me disse; “Aquele seu amigo deve ser um agente da PIDE. Se você entrar com uma arma em Lisboa, corre o risco de ser preso ou morto.” Na Revolução dos Cravos, descobriu-se que Freitas era realmente um agente da PIDE.
No Bar Monte Carlo, Melo e Castro me apresentou a uma bela portuguesa, de olhos verdes como o seu nome: Esmeralda. Quase fui sufocado de paixão. Numa véspera do Natal, gastei todo o dinheiro que tinha com almoços e jantares com Esmeralda. No dia 31, ela foi passar o Ano-Novo com os parentes e eu fiquei sozinho, sem um centavo no bolso, alimentando-me de Nescafé com muito açúcar. Bons tempos ruins.
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