sexta-feira, 16 de outubro de 2015
ANTÔNIO DE CASTRO
Nei Leandro de Castro
Escritor
Recentemente, meu irmão Berilo escreveu sobre o nosso pai, Antônio de Castro. Com a leitura do texto, me veio uma onda de saudades, de lembranças de um homem cheio de brio, de coragem. Financeiramente, ele levava uma vida de aperto. Além das três filhas do primeiro casamento, ele teve seis filhos com a minha mãe. Reformado da polícia, ele abriu uma fábrica de sabão, nos fundos de nossa casa na Rua Professor Zuza, e foi assim que manteve a família.
Meu pai não era de engolir desaforo. Certa vez, teve um desentendimento com um vizinho, que tinha a casa em frente da nossa. Os dois homens sacaram o revólver e as mulheres evitaram uma tragédia: colocaram-se na frente dos homens, impedindo a troca de tiros. Foi o episódio mais marcante da minha infância.
Na minha lembrança, sempre vejo meu pai em sua cadeira de balanço, com um livro nas mãos. Foi um grande leitor. Certa vez, me viu meio triste, lendo um livro do colégio do Padre Eimard. Quando eu disse que detestava livros, ele foi lá dentro, voltou com um livro que me estendeu, dizendo:
- Leia este livro. Você vai ver que todos os livros não são chatos. – E me estendeu “Capitães da Areia”, de Jorge Amado, o livro que me despertou o vício da leitura.
Mais tarde, no Atheneu, a bibliotecária Zila Mamede me orientou em novas leituras.
O vício da leitura é muito forte. Quando Oscar Wilde foi preso, acusado de homossexualismo, permitiram que ele levasse quatro livros para sua cela. Ele escolheu os dois volumes de “A Divina Comédia” e dois outros livros. Quando Wilde se rebelava, os guardas davam a ele o maior dos castigos: privava-o de leitura. O autor de “O Retrato de Dorian Gray” enlouquecia. Talvez tenha sido isso que encurtou a sua vida. Morreu aos 46 anos, poucos anos depois de ser solto do Cárcere de Reading.
As lembranças do meu pai continuam intactas na minha memória. Me lembro de uma vez em que um vizinho metido a besta foi à nossa casa e disse ao meu pai:
- Seus filhos andam roubando melancias do meu quintal.
Meu pai falou bem alto:
- Meus filhos não são ladrões. E saia imediatamente da minha casa.
A certa altura da vida, meu pai e minha mãe tiveram um terrível choque: a morte de minha irmã Valdinha num acidente de carro, causado por um motorista bêbado. Os dois envelheceram muito, da noite para o dia. Valdinha era muito querida, cheia de alegria e de virtudes. A família toda ficou de luto por muito tempo.
Quando vou a Natal, sempre passo pelo número 254 da Rua Professor Zuza, onde moramos durante oito anos. A saudade está ali. Minhas lembranças mais agradáveis estão ali, intactas, suspensas no ar.
sexta-feira, 9 de outubro de 2015
Lisboa e outras lembranças
Algumas cidades conquistam irremediavelmente os nossos corações. Paris, que Hemingway dizia ser uma festa móvel, é a mais terrível das sedutoras. Causa até um certo medo se apaixonar por ela. Lisboa me conquistou há quatro décadas, quando passei uma temporada por lá, cheio de juventude e amor para dar. Tenho por essa cidade um carinho e uma ternura que só tenho por Natal e pelo Rio de Janeiro. Gosto de caminhar por suas ruas, gosto de passar pelas calçadas dos bares que já não existem, gostaria de me encontrar com Esmeralda, na Rua do Malpique, e vê-la iluminando as noites de outono com o brilho dos seus olhos verdes. Onde estão os poetas que me faziam companhia? Antônio Aragão já partiu. Silvestre e Portelinha sumiram. Mello e Castro, em 2008, num encontro em homenagem aos 40 anos de nossa amizade, brigou com a mulher durante o jantar e sobrou para mim: nunca mais falou comigo, não responde aos meus e-mails. Lisboa para mim são essas lembranças, esses doces fantasmas. Suas ruas e praças estão impregnadas de minha juventude.
Lembranças de amores idos e vividos estão chegando e tomando lugar diante das teclas do computador. Minha primeira namorada se chamava Marinete e morava na Afonso Pena, bem em frente a um areal onde minha turma jogava pelada. Com quinze dias de namoro, Marinete permitiu que eu pegasse na sua mão. Mas o gesto foi visto pelo irmão, que deu queixa ao pai, que botou de castigo a namoradinha e a obrigou a acabar o namoro.
O primeiro beijo foi em São José de Mipibu, onde eu passava férias na casa do meu tio Miguel. Certa manhã, num beco que levava a uma entrada lateral da casa, uma menina da minha idade, cerca de 11 anos, se aproximou e me surpreendeu com um beijo na boca. Eu poderia fantasiar, romantizar o momento, mas sinceramente não gostei. O beijo tinha gosto de cuspe... Poucos anos depois, ainda em São José de Mipibu, namorei com Zizi, que tinha passado 30 dias de férias no Rio de Janeiro e chiava como gente grande. O que mais atraía em Zizi era o sotaque, quando ela falava djia, tchinha, tchitchia. Paquerei Zizi montado na bicicleta do meu primo e ela se rendeu à minha habilidade de ciclista. Com três dias de namoro, ela perguntou onde estava a minha bicicleta e eu lhe disse que a bicicleta não era minha. Zizi fechou a cara, me mandou andar, dizendo que não namorava rapaz sem dinheiro para comprar uma bicicleta.
Mas paixão, paixão mesmo, eu tive pela minha professora de francês do Atheneu. Ela era doce, tranqüila, muito bonita. Nos meus doze anos, eu me sentava na primeira fila e ficava bebendo as suas palavras, doces palavras ditas em francês. Uma vez, ousei perguntar: “Professora, como se diz “eu te amo” em francês?” Quando ela disse, com voz sussurrante “je t’aime”, eu tive certeza de que estava recebendo uma declaração de amor. A partir desse dia, eu sussurrava em suas aulas je t’aime, je t’aime, muito apaixonado. Foi ela quem me despertou a paixão pela língua francesa. Na Aliança Francesa do monsieur Bernard Alleguède, eu sonhava ter uma professora bela e apaixonante como aquela.
Nei Leandro de Castro
Escritor
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